Sunday, April 18, 2004

Três em um
- anúncio televisivo em directo para uma lavagem mais eficaz



Reunidos em torno de mesa, cinco homens debatem ideias.
Analisam ao detalhe um estudo de mercado sobre as cores e os padrões do campeonato do país.
O azul, o verde, o vermelho, o xadrez.
O azul é o mais forte, é o melhor vai ganhar na outra semana ou na outra a seguir.
O verde não deve ganhar...mas nunca se sabe.
O vermelho dificilmente deixará de ser terceiro, porque não joga para isso, porque a qualidade é curta lá atrás.
O xadrez morreu e ressuscita. Morreu e diz-se morto para lugares europeus.

Um jogo, num estádio, com duas equipas, com meia dúzia de adeptos e um filho da puta com apito na boca.

Um jogo em que o verde ganha... e é derrotado por dois amarelos inventados à pressão, alta se calhar. Um jogo em que um avançado agarra um defesa e ganha uma falta de golo. Um jogo em que, outro avançado, a muito menos dos 9 metros e 15 impostos pelo lei, impede a marcação de um livre e para cúmulo arranca o cartão vermelho ao marcador do livre.

Três em um. O azul vai ser campeão mais cedo do que o previsto e salvaguarda-se de imprevistos.
O vermelho passa a ver mais de perto a liga dos campeões. O xadrez, morto e ressuscitado, fica um pontinho da europa.
E tudo por obra e graça, apenas e exclusivamente, de: um grande filho da puta.


Nota: alta, há-de ser, a do relatório do moço. O "exibe-tomates-às-senhoras-da-polícia". O "inventa-cartões-amarelos-à-pressão-em-lances-que-nem-sequer-são-falta", o "marca-foras-de-jogo-a-atletas-que-estão-no-meio-campo-defensivo-e-partem-isolados-com-55-metros-para-a-baliza".

E se me perguntarem: no meio de tudo isto não há intervenientes castigados? Vou ser obrigado a responder: há. Mas são verdes.

Tuesday, April 13, 2004

Quatro três três

É bonita, dizer quanto não se diz.
Mora naquela rua lá do outro lado, aquela pela areia fora, ao lado das canas, à frente do mar.
No número 433. Quatrocentos e trinta e três. Quatro três três, conjugação numérica de táctica de futebol.
Joga-se pelos flancos, abre-se o adversário para atacar pelo meio.
Estica-se a paciência, até aos extremos, guarda-se o golpe fatal para o coração.
Vou jogar este jogo contigo.
O número da tua porta há-de ser o código para entrar em ti.

Saturday, April 03, 2004


Pensando bem...
(ela regressa aos relvados, ou pelados.)



Está a chover. Uma chuva que não é miudinha e que não molha só os tolos.
A minha mulher está a arrumar a cozinha, meto a mão ao bolso, tenho dinheiro, vou ao futebol.
É tarde de domigo. Enfio-me no velho Fiat, ligo a rádio na Renascença. Lisboa é bonita. Parece uma senhorinha, às vezes. Outras, uma velha muito velha,
experiente e sofrida. Outras ainda uma rapariga de vestido branco, virgem nos movimentos, à espera de prazer. É bonita a minha cidade.
À porta do estádio já há mais como eu. É domingo e devem ter dinheiro. Ainda é cedo, deixo-me estar no carro.
Sou eu quem daqui a nada vai entrar em campo. Vou sorrir para os fotografos, falar com os jornalistas. Hoje não vou obdecer à lei da rolha.
Hoje, vou falar, alto e bom som. Vou dançar por cada golo que marcar, embalar estes milhares de adeptos no baile das minhas ancas.
Vou levantar os olhos ao céu, vou apontar para um lugar infinito e serei estrela, amanha, nos jornais desportivos.
Hoje o jogo é meu. É domingo e tenho dinheiro no bolso.
Mas pensado bem, acho que afinal não vou ao futebol.
Vou buscar a minha Adelaide, pagar-lhe uma meia de leite e uma torrada e contar-lhe histórias desta tarde, que afinal, é minha.