Thursday, December 16, 2004

Um rapaz perdido pela India
(titulo sugerido por um GPS)
(ela)

E no entanto, nunca a tinha deixado. Corria-a em tardes quentes quando o pó subia ao céu azul que ficava ali, entre o chão e ela. As mãos desmedidas, como o são sempre nestas ocasiões, contavam histórias que ele tinha ouvido dos velhos. E ela ria. Fingia que acreditava que as histórias existiam e contava pássaros às gargalhadas de migrações. Os laranjas misturavam-se com os rosas e os azuis e os roxos e os amarelos em encontros prometidos de tardes quentes. Às vezes, a água não se aguentava e em soluços caía do céu. Nessas alturas ele costumava dizer-lhe que ia ser sempre assim: entre dois polos.O fogo e a água. Ela ria. Fingia que acreditava. E depois havia outra vez sol e risos e mãos e histórias. O céu azul, feliz, como devem ser todos os céus azuis, ensinava-lhe o caminho para sul. E ele seguia. Os pernas em forma de arco uniam os mundos que ficavam ali tão longe. Ele espreitava e sentia-a sorrir. Isso bastava-lhe. Perdeu-se. Por ela.

Tuesday, December 07, 2004

Eu, número sete
(ela)



Tenho o número bordado nas costas como se de uma tatuagem se tratasse. Sete. Escrito. 7. Dito. Sete. Tantas vezes sete quantas as vezes que me encaixo em mim. Guardo um sete nas mãos timidamente fechadas e guardadas nos bolsos nas tardes frias em que desço a avenida rumo a nada. Chove e tenho a humidade presa nos cabelos desalinhados, nas maças do rosto coradas de frio. Corro pelo ladrilho que me escorrega por baixo dos pés. Sinto a tua presença cada vez mais perto e isso dá-me alento para continuar a desviar a chuva do caminho. Sorris-me. Há um relâmpago enorme que rompe a noite. Abres-me os braços em arco. Olho-te, coro baixinho e entrelaço os dedos em forma de sete. Tenho vontade de ficar assim para o resto do tempo, embrulhada no silêncio que me ensinaste a falar. Olho outra vez e já lá não estás. Chove e eu tenho as mãos guardadas nos bolsos nesse abraço impossível que afinal ficou preso em nós. A minha mãe chora, o meu pai reconhece-me ao longe. Aperto os dedos, conto até sete. Será assim para sempre. Com um lápis desenho sete partidas. Um abraço com sete braços. Em sete notas de música tocadas ao acaso, bailo sozinha. Miro-me ao espelho. Ajeito o cabelo, a saia, a camisola curtinha. Hoje, sete, riu-me e choro com a facilidade com que escrevo. Sete vezes me confesso e sete vezes arranco o número sete das costas. Pego na linha das minhas mãos e bordo o número sete no peito, do lado esquerdo, que é aí que os setes da vida devem ficar guardados, mesmo aqueles setes que a gente não arranja forma de os tirar dos bolsos. Chove e eu estou aqui. Dia sete. Parabéns menininha.