Monday, May 03, 2004

Num domingo de Maio
o fim de ti



Arrastam-se as cadeiras. O apito final está aí.
Colarinhos bem passados, é domingo, dia de festa. Não há gente neste espectáculo.
Apenas os artistas desfilam as suas roupas domingueiras neste Domingo sem gente e sem festa.
Ao longe advinho-te nas bancadas. Uma sombra de calor percorre-te e deixa-te ainda mais azul. Ris.
Ris de tudo e de nada. Dizes-me que sou tua. Lá baixo, lá baixo onde o espectáculo é espectáculo, lá baixo, dizia, joga-se outro mundo. Redondo.
Tu estás sózinho na bancada. Ris. Sorris. Abanas a cabeça a cada lance perdido. Se fumasses imaginava-te a deitar o fumo
em circulos e mais circulos, que se perderiam no céu. Azul. Mas não fumas. E ris-te. Passas a mão pelo cabelo.
Golo. É golo.
Levantas-te ligeiramente. Vejo-te o corpo desenhado. Voltas a passar a mão no cabelo. Castanho. E ris. Beijas-me. Passeias-me as mãos pelas pernas pouco cruzadas. Domingo. Domingo de Maio.
Sózinha vejo-te sózinho com os olhos pregados no espectáculo. Choro a tua tristeza. Choro a minha solidão. Choro a nossa vida. Choro-nos enquanto tu ris. Sózinho.
É domingo, dia de jogo, dia final da festa. Não há gente no espectáculo. Imagino-te sentado numa das muitas cadeiras. E choro. Choro a tua ausência. A tua morte. Porquê?«Só Deus tem os que mais ama.»
Num domingo igual ao que aí vem, num dia de Maio como o que se aproxima. E o teu corpo ainda está presente, moldado em mim palmo a palmo, beijo a beijo. E no entanto foi num domingo como aquele que aí vem que tu foste embora. Fim de jogo. Fim de mim.

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