Friday, September 24, 2004

Meia Lua

Em pequeno, o sobrenome Meia ditou-lhe anos de tormento. Meia leca para os mais educados, Meia foda para os outros, quase todos, escusado será dizer. As piadas, tantas, estendiam-se ao último apelido. Ou porque andava sempre de cabeça na Lua, ou então, bem pior, tinha nascido de cú para a Lua. Uma imensidão de lugares comuns bem à medida tradicional de casos à margem da social normalidade.
Há apenas um momento de esquecer tudo. E começou naquele fim de tarde, ao balcão do café do pai e da mãe, com o leite nos lábios e pão com manteiga nos dentes. Fazia isso às terças e quintas, sempre, porque as aulas acabavam mais cedo. Ao balcão do café Meia Lua, propriedade de Maria Fio de Meia e Joaquim Joaquim Sol e Lua, os pais de João Maria Meia Lua.
A hora do lanche dele, naquele dia, à hora da cerveja do senhor Campos, treinador dos iniciados do Desportivo União, traçou um futuro mais do que perfeito.
Hoje relembra quase tudo desses dias. E se sorri no minuto mais importante da sua vida, enquanto milhares estão em pânico na bancada, milhões em casa, um dezena no campo e mais uma dezena no banco, se sorri neste momento, a explicação é demasiado simples.
Está a ver-se exactamente assim, há treze anos atrás, no pelado do Clube de Futebol de Serzedo, rival eterno do Desportivo União. O sorriso é por causa dos calções largos em pano, calções velhos dos seniores, presos na cinta pelo cordão de uma chuteira que tinha esgotado o prazo de vida. Chutou para ganhar.
Está hoje também no único sítio da área onde a linha faz curva. Os nomes ditos nas bocas dos outros são outros. No único sítio da área onde a linha faz curva, faz o que tem a fazer.
Demasiado simples para ele, João Maria Meia Lua. Já só responde por Meia Lua. Mas é o de sempre: apenas filho do Quim Quim e da Mimi.

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