Thursday, October 28, 2004

Minuto final
(menina)
Quando o relógio se aproxima do minuto final sinto que já algumas pessoas abandonaram o estádio. Já sabem qual vai ser o resultado. Caminham em conversas para os carros. É nessa altura que desacelero o ritmo e olho para as nuvens para ver se chove. Raramente cai pinga de água. Os jornalistas atropelam-se nesse minuto final à boca do túnel. Se chove é porque já estava a chover. Olho para o árbitro e ele não olha para mim. Ele olha para o cronómetro que por sua vez olha para o tempo. E o tempo não quer nada comigo. Se a chuva é forte, provavelmente é porque começou a cair ainda no primeiro tempo da partida. Minuto antes de tocar o despertador abraço-te devagarinho para não te acordar. Raramente acordas. Estico uma perna e outra e olho para o tecto. Descubro uma infiltração. Se estas acordada é porque já estavas acordada. Penso em ti no minuto antes de o despertador tocar. Tenho vontade de te dizer bom dia e que gosto de ti e tal e tal mas tu não olhas para mim. E se olhas é porque já estavas a olhar. O árbitro inicia o movimento de levar o assobio à boca. Mais um pé sai da porta do estádio. Outro adepto move um dedo. Procura um cigarro. O árbitro enche os pulmões de ar. Depois do jogo vou para casa. Hás-de estar à minha espera. Um jornalista tropeça noutro. Uma nuvem deixa cair um bocadinho de algodão doce. Não chove, mas eu também já sabia de antemão, que nunca começa a chover um minuto antes de o jogo acabar.

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