Friday, October 01, 2004

Uma sala acolhedora com vista para nós
( senhora)


Foi por causa dela que me tornei no que sou. O maior entre os maiores, o mais respeitável entre os mais respeitáveis do admirável publico. Foi por causa dela que me tornei num galã, sem capa nem espada, num galã de mim, de fala e de ouvido, capaz de transformar um coração de pedra, numa acolhedora sala com lareira. Foi por causa dela, digo-o, em alto e bom som, escrevo-o, em letras MAIUSCULAS, e não me arrependo nada. Ela, só ela, ela e eu. Ela e eu no bom estilo do romântico, de velho apaixonado, capaz de tudo, por causa daquela senhora que de manhã calça sapato de salto alto, daqueles de agulha, e ao final da tarde, corre para casa, ao encontro do belíssimo baú de madeira onde guarda as velhas chuteiras ainda cheias de terra de uma infância que me teima em durar. E enquanto eu digiro as ultimas lágrimas, mais salgadas do que as primeiras, ela calça-me uma chuteira no pé esquerdo, calça a outra no pé direito dela, e pendura-se no meu colo, numa dança embalada por uma música em ré menor, e fica ali, a fazer-me sorrir, enquanto sem voz lhe peço desculpa, e as lágrimas vão perdendo o sal e a noite desce sobre os recortes de nós.

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