Monday, February 23, 2004

Baliza que perde (a menina escreve)

Hoje decidi dormir contigo. Abro-te o fecho do meu vestido de sempre, branco.
Entrego-me sem o pudor que a cor do manto que trago me obrigaria.
Por noventa minutos apenas quero sentir-me suja de certezas. Porque não as há. Não as tenho.

Vejo-te correr na minha direcção e hoje, durante os 5400 segundos que se seguem,
não vou dizer-te que não. Não sei como me sentirei amanhã. Talvez sinta o peso das imoralidades,
os olhos pesados de quem a todo custo me tentou defender de ti, mas pouco me importa
o amanhã se hoje me apetece ser tua.
Porque não acredito nas certezas certas que os homens definiram para mim,
na inevitabilidade de resultados de uma vida que querem que eu obedeça.
Pelas leis de quem me ama por me defender, hoje vou pecar. Diante de todos.
Quero lá saber se amanhã me vão maldizer.
A noite é minha e tua. Sei que vais chegar nos pés de quem me usa unicamente para se auto-satisfazer.
Mas para além das tácticas dos homens, das palavras, do depois de depois,
o que me importa é que esta noite te vais aninhar no regaço quente que guardo para ti.

E enquanto eles, os que te empurraram até mim, festejam eufóricos a sede concretizada
que os trouxe até aqui, eu rezo baixinho para que esse egoísmo dure e se esqueçam de ti. 
E assim, te deixem um bocadinho mais dentro deste meu corpo, no silêncio suave de um  
arrepio que só nós, eu e tu, só nós os que vivemos para dar prazer, entendemos.

Esta noite, abro-te o fecho do meu vestido de sempre, branco. Amanhã logo se vê.  

No comments: