Thursday, February 19, 2004

Solteiras contra casadas (por Ela)

Maio. Era uma tarde de Maio com o sol amarelo e redondo como todas as tardes de Maio que me recordo. Cinco contra cinco. Os sorrisos rasgados, “vamos lá ver quem ganha.”
O arbitro apitou, lembro-me que o vi a chegar cansado e pesado com a barriga e os anos, o arbitro, que por acaso era e é nosso tio. Priuuuuuuuuu….
E o jogo começou. Bola ao centro, dás-me um toque levezinho, eu domino com o peito do pé, também não era muito difícil, e passo para a Inês. Ela corre, corre, mas a Manuela aparece-lhe pela frente, acena-lhe com um conjunto inteirinho de panelas, um “trem” de cozinha e coitada da Inês, perde a bola. Ohhhhh!
Mas tu sempre foste muito boa a correr e não deixaste a coisa por menos, num passe digno de jogador de milhões, retiraste-lhe a bola com mestria e gritaste “Ana!!!!!!!”. Eu levantei os olhos, estava um céu azul e um sol amarelo e redondo. Ouvi-te “ Ana!!!!”, parecias estar muito longe à porta de casa a chamar-me para irmos brincar às escondidas numa outra tarde de um outro Maio. “Ana!!!!!!!!!!!”, eu corri, corri, fiquei paralela a ti, passaste-me a bola e eu segurei-a com o pé direito, vi-te a desmarcar e olhavas para mim à espera que te retribuísse a bola como quando corria para tua casa feliz com o presente de aniversário que todos os anos demorava um mês a escolher para te surpreender.
Vi-te sorrir na expectativa de abrir o embrulho, mas já lá estava a Cristina na minha frente e roubou-te o presente. Olhaste-me como quem diz “isso assim não dá!”, e senti-me envergonhada, acho que corei, (não sei bem se foi por causa do tal sol de Maio, ou por ter perdido a bola), pedi-te desculpa, disseste-me que assim não, que assim não podias ser mais minha amiga, mas eu não compreendi. Porque razão o Pedro não podia ser também meu namorado? Só porque ele já tinha sido teu namorado antes? Primeiro também, mas com o verbo conjugado no passado? E ambas sabemos que o passado é passado e vive no tempo perdido.
Golo. Ohhhhhhhhh! Foi delas.
Vi outra vez os teus olhos de repreensão, azuis como o azul do céu em Maio, deste Maio, iguaizinhos aos de outro Maio passado.
Corri, corri, ganhei a bola, pensei que uma amizade não acaba por causa de uma bola perdida a meio campo. A Manuela com o trem de cozinha ficou para trás, passei a Cristina, a Eva e a Paula.
Olhos altos enquanto te ouvia sorrir e brincávamos no rio, na piscina, ajudavas-me a fazer os trabalhos de matemática, eu ensinava-te as teorias de Platão, abraçavas-me feliz no primeiro dia de Universidade, corávamos quando contávamos as primeiras das primeiras vezes das descobertas mágicas dos corpos, com o primeiro dos primeiros amores, (que por acaso até foi o mesmo e que naquela tarde de Maio estava sentado na “bancada” a assistir ao jogo), o campo parecia uma estrada larga feita para os meus pés, a bola um cachorrinho obediente.
“E afinal”, dizias-me “ a minha mãe nunca iria gostar do Pedro. Tenho que arranjar um moço certinho como o Zé.”
E agora que o Pedro está na bancada a ver jogar a Manuela com o seu trem de cozinha, a baliza está muito perto e acho que vou marcar golo. No próximo jogo vais-me fazer falta do meu lado direito para me passares a bola, porque afinal a tua mãe gostou mesmo do Zé e no próximo Maio já vais estar do outro lado. Golo!!!!!!!!!

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