Thursday, March 04, 2004

Estranha forma de prolongamento...
(minutos femininos)






José era velho. Muito velho.
De facto, era tão velho tão velho que ninguém se lembrava de o ter visto ficar velho.
Respeitável senhor, respeitável velho, reunia um misto de medo e mistério.
O velho mais velho do mundo, o velho sem rugas que era mais velho de que qualquer velho enrugado.
José gostava de rir.
Ria por tudo e por nada e ninguém sabia o que fazia um velho tão velho soltar
tantas gargalhadas a torto e a direito.
Ninguém lhe perguntava, porque nestas coisas da velhice,
todos sabem de certeza certa, que a idade é um posto,e José,
o velho mais velho que algum mundo tinha visto, era sem duvida o mais velho dos velhos.
Por isso, respeitinho com o velho.
José acordava todos os dias a sorrir.
De tarde já estava a rir e à noite rebolava de gargalhadas.
José gostava de contar passarinhos, horas e horas a fio,
sentado na cadeira de baloiço quase tão velha como ele.
( Mas nem nada nem ninguém era tão velho como o velho.)
José cheirava a alecrim e tinha a pele castanha como a terra em dias de chuva.
Os dentes eram brancos de uma brancura de nuvens e os cabelos ainda mais macios que a neve.
José era mesmo muito velho.
Tinha umas mãos enormes com que abraçava cestos e cestos de coisas nenhumas.
As mãos mais velhas do mundo que pertenciam ao velho mais velho que algum velho tinha visto.
Por ele já tinham passado milhares de velhos e todos partiam para a morte, mas José ficava.
Sem que nunca alguém lhe perguntasse porquê.
Até certo dia em que o sol queimava mais do que o habitual, José sentou-se na cadeira de baloiço, contou mais de cem pássaros e disse : “Acabou!”
O velho mais velho do mundo fechou os olhos e morreu.
Acabava o jogo.
Alguém procurou na casa do velho documentos da sua idade.
Escrito a um canto estava:
“José Taraves Leon, nascido entre os nascidos, criado sem ser criado. Duzentos anos de vida e dois mil de prolongamento”.

No comments: