Saturday, March 06, 2004

O fim jogo

os trocos que restam no bolso,
os últimos cartuchos, mais lenha para a fogueira



Em frente ao teclado, volta às angústias de todos os dias. É um playboy de meia idade.
Só atenta ao que perde. E se olha para trás de novo, volta a ter na frente dos olhos, desmembradas, as derrotas,
até lá muito ao fundo, sim muito para lá do sítio onde os olhos, dentro das lentes, apertados, pequeninos, deixam de ver.
A página, a mesma de todos os dias, imaculada, branca, desesperada de letras. Escuta-lhe as lamúrias, as invejas, os azares.
Diz ele: a vida toda foi um azar.
E imaculada, escuta. Quando queria ser esponja, sugar a tinta das letras, aceitar-lhe as formas. Fazer palavras.
E branca sabe de trás para a frente, tudo o ele que quer escrever, mas não sabe.
Tudo o que lhe vai lá dentro, no peito, na cabeça. Ela, deseperada de letras já sabe a desordem que o deixa em frente. Sentado.
Os amores, já os sabe como dela, as rejeições... e o azaaar. Prolongado e baixinho. O azaaaar.
A palavra maldita de um homem que tinha tudo e não soube ter.
E miserável, a bolachas e whisky, percebeu nada de ter de palpável em todos os anos. Miserável, de cigarros e pão,
decidiu deixar uma marca no mundo com um livro "A vida é um jogo, apenas um jogo, nada mais do que um jogo".
Esteve bem até ´90. Por aí, pelo meio deu de caras com a derrota, e foi dando sempre até hoje.
A primeira vez, faltavam cinco minutos para o fim.
Não era rapaz para aguentar grandes confusões,
levantou-se, recolheu jornal, já se estava a queixar de todos os degraus que tinha para subir: "só me faltava esta". Premonitório. GOLO!
Não dos dele.
"Que se lixe, o empate também dá", sempre em frente, sem voltar.
" Deixa sair depressa antes da confusão. Amanhã levanto-me cedo e vou comprar bilhete para a final em Atenas".
Já suado, mas finalmente lá em cima, na porta de saída: " UFF, estava a ver que não".
GOLO! Dos outros, outra vez. Atenas é para eles.
O último homem a sair do estádio, um playboy de meia idade, tem mais duas para contar. Só não sabe, por escrito.
Foi durante a vida, rapaz para todas a mulheres. Hora e sítio, à vontade. Muitas ao mesmo tempo, umas sem saberem das outras.
Um dia fartou-se, quis contar à namorada, falar-lhe que era o fim, de hoje em diante só para ela, calçado na honestidade de um momento.
Chegou tarde e dela apenas viu um bilhete, curto e com tudo." Até sempre Nunca mais". Premonitório.
Só com ele próprio desde então; e as conversas dentro de álcool.
Por fim: a sala de jogo a caminho de casa, mais visível todos o dias até ao que entrou e não mais saíu. Foi tudo.
Até o nada que tem vai jogando. Perdeu tudo. Azaaar.
Uma coisa ganhou e essa nunca há-de perder. O vício.
Pensava, mas não. No ecrã por cima da máquina de poker, o clube está ganhar, o outro empata. 90 minutos, prolongamento.
Ele já não vê. Acabou sentado. Uma ficha de 50 escudos na mão. Nunca há-de saber o resultado. Ninguém há-de nunca saber dele.
"A vida é um jogo, apenas um jogo, nada mais do que um jogo" . Deixou um título para um livro.

No comments: