Sunday, March 07, 2004

O fim do jogo
(Uma história cor-de-rosa choque)


Há uma história inacabada cada vez que o cronómetro marca o minuto noventa, o arbitro apita,
levanta os braços e indica o caminho para os balneários.
Adelaide sabe-o bem. Viu com a barriga inchada de esperança muitas vezes a mesma imagem, o mesmo gesto,
o mesmo sentido.
Noventa minutos, noventa anos, noventa vidas que se lhe alojaram no ventre em forma de reticências.
Adelaide já não ri. Já não chora.
Conheci a Adelaide como ninguém. Sou uma das três reticências que a vida lhe deu.
Lembro-me dela de cabelo cumprido e sorriso maroto. Cheiro a sabão rosa. Os olhos verdes.
Morava numa casa baixinha, de um quarto, cozinha e sala, casa de banho e jardim.
Fumava às escondidas e lia revistas de moda.
Amou dois homens.
Tinha sempre uma braçada de flores em cima da mesa.
Gritava-me aos ouVidos na voz melodiosa que me esfrangalha de saudades: "Vive!vive!vive!"
Adelaide foi como minguém o minuto noventa.
Viveu para que esse pedaço de tempo não tivesse apenas 60 segundos.
Formou sindicatos, criou associações. Queimou bandeiras. Fez abaixo-assinados.

Morreu ao minuto oitenta e nove de uma tarde de Fevereiro.

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